quarta-feira, 8 de março de 2017

Opinião

No seu Mundo


Li este livro em conjunto com a Dora e a Isaura, numa leitura que muito nos satisfez.

Jacob Hunter é um adolescente de 18 anos com Síndrome de Asperger, ou numa classificação mais recente, com perturbação do espectro do autismo. Ele tem toda a sua vida planeada desde o momento em que se levanta até ao momento em que se deita. Para quem não está familiarizado com esta problemática, as rotinas são o que dão segurança a pessoas portadoras deste distúrbio.
Uma das muitas terapias que ele tem consiste em lhe ensinarem a interagir socialmente, ensinando-lhe aquilo que ele não tem naturalmente: capacidade de perceber as nuances de linguagem, os duplos sentidos do discurso que todos nós utilizamos.
A terapeuta encarregada disso é Jessica, que ainda é uma estudante universitária, mas que pretende vir a trabalhar com crianças e jovens com a mesma perturbação que Jacob e aproveitou para ganhar experiência e algum dinheiro, além de o trabalho qu ela desenvolve com o Jacob ir ser o tema da sua tese de final de curso.
O problema chega quando ela aparece morta.
De um crime quase insolúvel, levantam-se suspeitas de que Jacob, num dos seus acessos em que perde o controlo, a possa ter morto. As evidências são circunstanciais, mas como ele é portador deste síndrome e o mesmo confere algumas características especiais tais como falta de empatia, falta de contacto visual e algumas obsessões estranhas garantem-lhe um lugar no rol de suspeitos e até - ser o único suspeito. A sua mãe, que sempre o acompanhou desde que o pai saiu de casa por não conseguir lidar com esta particularidade do filho, acredita na inocência dele, mas ao mesmo tempo, como fazer a sociedade perceber que pelo facto de o seu filho se comportar de modo um pouco diferente, não quer dizer que tenha morto a sua terapeuta, pela qual aliás ele nutria um forte sentimento de amizade.
E o livro parte daqui.

Foi a minha estreia com esta autora e com um assunto que me diz tanto a nível pessoal.
Tudo o que li - embora um pouco datado, pois nos anos recentes o termo Síndrome de Asperger deixou de ser utilizado - está muito bem pesquisado e foi tratado com respeito por todos os portadores de tal distúrbio. Vê-se que houve um bom trabalho de pesquisa e de fala com vários pacientes deste espectro, o que deu para ter uma visão global quer do que é ser autista e do que é ser mãe ou irmão de um autista. São experiências de grande impacto a todos os níveis, quer familiar, quer social, quer escolar.
Todas as dificuldades da mãe do Jacob, eu senti-as como minhas. Todas as dificuldades do Jacob eu consegui entender. Gostei imenso do trabalho feito.
Aqui o que se põe em causa e em estudo é: numa altura em que cada vez mais este tipo de perturbações aparecem, como é que a sociedade e mais concretamente o sistema judicial se deve comportar com estas pessoas? Será que está apto a aplicar justiça mas ao mesmo tempo respeitando as diferenças inerentes? É que uma pessoa com Asperger não faz contacto visual com os outros, mas não quer dizer que seja culpado. Pode não responder de forma abrangente a uma pergunta e ter que ser contextualizado - para se ter uma resposta perceptível é necessário jogar ás 20 perguntas, porque eles são verdadeiros, mas são literais e só respondem ao cerne da pergunta - não elaboram.
Do que vi aqui, o sistema judicial americano - ou para um caso específico, o português - não estão preparados para julgar alguém com estas particularidades. No livro vi falta de respeito, ignorância e até um certo atropelar de direitos humanos com base na premissa de que "ele estaria a fingir".
E isso é algo que as instâncias superiores judiciais se devem debruçar, para que não haja inocentes condenados, simplesmente porque não se comportam como 99,9% do resto da população. 

Fiquei extremamente agradada com a autora e irei ler mais dela nos próximos meses.

Kisses da vossa Geek